
Cerca de 2,5 milhões de pessoas participaram, neste domingo (12), da 233ª edição do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará. A maior procissão católica do país, reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco desde 2014, voltou a reunir uma multidão de fiéis vindos de diversas partes do Brasil e do exterior para homenagear a padroeira dos paraenses. A celebração começou às 6h15 com uma missa presidida por Dom Alberto Taveira Corrêa, na Catedral da Sé, e seguiu com a saída da imagem peregrina da santa, às 7h28, rumo à Praça Santuário, onde chegou por volta de meio-dia.
O percurso de 3,6 quilômetros atravessou o centro histórico de Belém, passando por pontos emblemáticos como o Ver-o-Peso, a Estação das Docas e a Praça da República. Durante todo o trajeto, a emoção e a fé marcaram a caminhada dos devotos. O cortejo da berlinda, acompanhada pela tradicional corda puxada pelos fiéis, foi seguido por orações, cantos e demonstrações de devoção, num ambiente de intensa espiritualidade. A chegada da imagem à Basílica Santuário, sob aplausos e gritos de “Viva Nossa Senhora de Nazaré!”, encerrou o momento mais aguardado do evento.
Entre os milhares de participantes estavam os chamados “promesseiros”, que percorrem o trajeto cumprindo votos e agradecendo bênçãos alcançadas. Giovana Nogueira, por exemplo, realizou o percurso dançando balé pela terceira vez consecutiva em gratidão a uma graça recebida. Já Benedita Nogueira, de 62 anos, levou três ex-votos, um pulmão, um corpo e um rosto, como símbolo das curas pelas quais agradecia, referentes a si mesma, ao filho e à irmã. Casos como esses se multiplicam ao longo do Círio, mostrando a força da devoção popular à padroeira.
A multidão que acompanha a procissão também dá espaço à solidariedade. Entre os fiéis, há quem distribua água, toalhas e alimentos aos romeiros sob o sol forte. A aposentada Sadia Maria Souza Lobato, de 68 anos, cumpre há 15 anos a promessa de oferecer água aos participantes depois de alcançar o sonho da casa própria. Já Vaneide Silva, de 58 anos, distribuiu cerca de 2 mil toalhas aos devotos, gesto que repete anualmente desde que recebeu uma graça especial de Nossa Senhora.
Mesmo sendo uma celebração católica, o Círio de Nazaré atrai fiéis de outras religiões. O paraense Andrei Fonseca, praticante de uma religião de matriz africana da nação Ketu, participa da festa vendendo comidas típicas e afirma que o evento representa a união entre diferentes crenças. “O Círio é uma junção de povos católicos, evangélicos e afro-religiosos, unidos em emoção e respeito à santa”, disse. A convivência pacífica entre religiões é um dos aspectos mais marcantes da festa, que reflete o sincretismo e a diversidade cultural do Pará.
A tradição também envolve uma série de procissões paralelas. No sábado (11), a Romaria Fluvial levou a imagem peregrina pelo rio Guamá, partindo do Distrito de Icoaraci até a Escadinha da Estação das Docas. O cortejo reuniu cerca de 50 mil pessoas e mais de 400 embarcações enfeitadas, num espetáculo que se repete desde 1986. Além da romaria fluvial, ocorrem ainda a romaria rodoviária, a moto romaria e a Trasladação, que antecede a grande procissão de domingo, em uma demonstração da grandiosidade da festa religiosa.
Um dos espaços mais simbólicos da celebração é a Casa de Plácido, criada em homenagem ao agricultor Plácido José de Souza, que teria encontrado a imagem original de Nossa Senhora de Nazaré por volta de 1700. O local acolhe romeiros e oferece alimentação, atendimento médico e abrigo. Segundo a coordenadora Maria da Conceição Rodrigues, cerca de 18 mil pessoas são recebidas durante o Círio, com o apoio de mais de 500 voluntários. “Temos médicos, advogados, estudantes e pessoas de todas as profissões trabalhando juntos em revezamento”, explicou.
Além da fé, o Círio também inspira arte e cultura. A artista paraense Aline Folha é uma das criadoras que transformam a devoção em expressão artística. Autora de mantos oficiais e de coleções temáticas sobre a festividade, ela afirma viver “em estado de outubro”, expressão usada pelos paraenses para definir o clima de expectativa que antecede o evento. “O Círio é uma experiência pessoal e coletiva. O que me emociona é o ritual de família, de ver a santa passar no mesmo cantinho todos os anos”, contou.
A programação oficial da Festa de Nazaré segue até o dia 27 de outubro, quando acontece o Recírio, encerrando as celebrações.

